quinta-feira, 22 de julho de 2010

pelo interfone

“Este é um dilema que nem o cinema pode resolver”, dizia o Ritchie da década de 80.

O que esta assertiva nos diz? O mais óbvio: o senso comum acredita que o tal “final feliz” é sempre uma solução cinematográfica para resolver os impasses espinhosos apresentados ao longo da trama. estas, por mais complicadas que se apresentem, estão direcionadas ao fim. nele, espera-se, as soluções nos sejam apresentadas.

esta é a formula tradicional das narrativas de filmes comerciais. Neles, a solução apresenta-se pronta. resta-nos acatá-la. portanto, não há espaço para o espectador.

Contudo, há outra ordem de filmes. aqueles que não acabam com o final. eles nos impõe dilemas, perguntas. exige-nos que continuemos a pensar na problemática apresentada pela narrativa cinematográfica para além do final. estas obras são, por isto, dialógicas, ou seja, não somente propõe o diálogo, mas o toma como elemento estrutural, no momento de sua feitura. assim, temos nosso espaço reservado estas obras. no momento de sua concepção, nossa existência já é valorizada. legal, né? para a minoria, sim. para o “popular”, não. quanto menos este for exigido, melhor. o grande público não quer pensar, quer ser entretido, somente. há portanto uma oposição: filmes populares tem sua narrativa pronta e estabelecida. os filmes complexos, dialógicos, quase sempre rotulados de alternativos, não. eles pretendem estabelecer um diálogo com seus espectadores. quase sempre, esta é uma regra. mas, temos sempre as boas surpresas.

qual tipo de filme você gosta?

terça-feira, 6 de julho de 2010

“Testemunhas de uma guerra” (Triage) / 2009

1988 é o tempo da matéria enunciada. A ação transcorre no Curdistão. Acompanhamos dois fotógrafos que  registram cenas de um acampamento curdo. Diz o médico após a triagem: “na minha vida solitária, tivemos oito guerras. Duas com os turcos, três com os iranianos e três com os iraquianos […] todas as vezes fomos derrotados. Isso é o que os curdos fazem melhor: ser derrotados”. A triagem decorre do diagnóstico do médico. As vítimas mais graves são executadas pelo próprio médico, enquanto outro soldado faz as preces. Acompanhamos uma ofensiva contra Saddan Hussein.

Mark, o fotógrafo irlandês é ferido na ofensiva e se vê na mesma situação dos outros feridos que passam pela triagem, momento em que o médico diz: “as pernas são o maior problema. Mas é sempre assim. Pernas, pernas, pernas. Para cada dez braços, já amputei dez pernas. As pernas modernas não são feitas para a guerra moderna”. Os diálogos deste personagem são bem elaborados. há uma certa altura, ele proclama: “a dor é sempre preferível à dormência”.

Ao contemplar uma fotografia, a namorada de Mark assevera: “A beleza é sempre esperançosa”

Quando percebem que os problemas de saúde de Mark é uma somatização dos traumas de guerra, decidem pelo tratamento psiquiátrico: “tudo é um jogo pra você, senhor Walsh?”, pergunta-lhe o especialista. –“Eu não sei. tudo parece um pouco… idiota”. Antes de pronunciar a última palavra, o fotógrafo inspira fundo, como a tomar coragem para pronunciar algo que demarcaria seu posicionamento naquele campo de poder, assim como a avaliar o suposto tratamento. –“Talvez seja. Mas estou tentando ajudá-lo. E, em quinze minutos, vou sair e serei pago, quer você responda às perguntas ou não. Enquanto você ainda ficará deitado aí, incapaz de andar. A essa altura, creio que a idiotice tenha várias formas” –“já esteve em uma zona de guerra, doutor” –“não. Mas já tratei pacientes que estiveram lá”. –“tudo bem, sem ofensa, mas não é a mesma coisa” –“não, não é a mesma coisa. Mas isso significa que só podemos compreender o que experimentamos diretamente?. Só quem foi estuprado pode aconselhar uma vítima de estupro?” –“Talvez”.

A “rapidez” das legendas é uma dificuldade a mais para o filme. O inglês da Irlanda é certamente mais “acelerado” que o da Inglaterra. que, para mim, já seria mais acelerado que o estadunidense. Certamente, Colin Farrel está tranquilo em um papel que remete sua cultura pátria.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

"It Might Get Loud" (2008)

rata-se de um documentário sobre guitarristas: Jimmy Page (Led Zeppelin), The Edge (U2) e Jack White (Várias), dirigido por Davis Guggenheim. Pode ser um bom mote para um diálogo com adolescentes ou adultos descolados que envelheceram como seus idolos juvenis.

O filme apresenta músicos de gerações diferenciadas. Talvez o diálogo intergeracional seja o ponto principal do documentário. Um jovem cujo auge artístico ocorreu nos anos 70, como guitarrista da banda Led Zeppelin. Outro que despontou no cenário da cultura pop na segunda metade dos 80's, como guitarrista do U2, uma banda marcada pelo engajamento político. O terceiro é um artista retrô, que explora a genealogia mais tradicional do rock: o blues da década de 30.

Uma chave de leitura interessante para trabalhar o documentário em sala de aula seria a comparação entre as experiências juvenis dos três artistas, caracterizando-as em suas temporalidades e espacialidades. A perspectiva do filme é um pouco limitada, pois restringe-se à artistas oriundos de países de economias desenvolvidas. Ao mesmo tempo, este fator mostra que a industria cultural esta intimamente relacionada ao desenvolvimento do capitalismo e ao o universo cultural da lingua inglesa.



Outra possibilidade seria escolher o "trabalho" como categoria de discussão. Gerlamente, o senso comun tende a não reconhecer como trabalho as práticas artísticas, o trabalho comunitário, o trabalho político etc, recobrindo-os de preconceitos. No documentário, podemos perceber como a música, a partir de um instrumento, a guitarra, evidencia o alto investimento de tempo, dinheiro, estudo e criação por parte dos músicos. Isto mostra outra dimensão do mundo do showbisness: o sucesso não é somente obra do acaso, mas também do trabalho metódico e disciplinado. Os músicos estudam as obras de outros guitarristas (dimensão da pesquisa), conhecem a história do seu ofício, dominam a técnica de seus instruementos (em especial o The Edge, que é conhecido como arquiteto do som).



Neste sentido, o rock e, talvez seu símbolo maior, a guitarra podem ser abordados numa dimensão mais (in)formativa. E não somente como uma manifestação cultural efêmera, como é largamente tratado pela sociedade.


quinta-feira, 1 de julho de 2010

"Caso 39", fala sobre o quê?

Case 39 (2006-2010) é um filme de gênero. Um misto de suspense e terror. A mão firme do diretor  imprime personalidade à sua narrativa. Há estilo, certamente. Comecei a ssistí-lo sem muitas expectativas. Logo fui encantado pela narrativa, e por certa disconfiança: uma obviedade instigadora. No início, os pais que tentavam desesperadamente matar sua filhinha, não me pareceram de todo culpados (Bizarro isto, não?). Esse foi o mote que me levou a trilhar a história.

A cópia que assistia era horrível: pirata, legenda PÉSSIMA (que se tornou uma atração à parte), áudio em descompasso com as imagens... um desastre! Sem falar que a capa pirata o apresentava como o novo filme de Alejandro Amenábar Ágora… Mesmo assim, a história que se iniciava me oferecia certa atração.

Trata-se de um filme de Christian Alvart, alemão, 35. De sua autoria, são: antibodies (2005), e Pandorum (2010). Bom, sobre o filme não vejo muito o que se dizer (não há nada de novo sobre o Equador, desta vez). Talvez, seu ponto central seja a construção do sentido do medo/terror a partir do corpo frágil de uma criança de 10 anos. Nesse sentido, culturalmente, o filme traz uma inversão de representações sobre a infância e a criança. Tradicionalmente, segundo uma forte influência judaico-cristã, os "pequeninos" chamados por Jesus foram recobertos - pelo menos a partir do século XIX, após a ascensão dos valores burgueses, no Ocidente -, de uma áurea de inocência e fragilidade. É justamente este o ponto invertido pelo filme.

Diz o Evangelho de Lucas: "Trouxeram-lhe também criancinhas, para que ele as tocasse. Vendo isto, os discípulos as repreendiam. Jesus, porém, chamou-as e disse: Deixai vir à mim as criancinhas e não as impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com elas. Em verdade vos declaro: quem não receber o Reino de Deus como uma criancinha, nele não entrará." (Lucas 18,15-17)

As representações do mal, presentes no filme Caso 39, invertem esta mensagem cristã. Nele, o mal nasceu e reside no corpo de uma criança. É um demônio em crescimento! Situação que cai perfeitamente em algumas pestinhas.

Ao longo da narrativa, talvez os momentos mais interessantes sejam aqueles em que vemos o medo sentido pelos adultos frente à pequenina menina de cabelos pretos e tez pálida como a de um defunto (sem falar nos olhos negros). A "pegada" do diretor relaciona-se, em alguma medida, à sua trajetória de vida: foi criado em um ambiente cristão ortodoxo. Aliás, o nome recebido de seus pais nos dá uma pista dos valores de sua família: Cristiano/Cristão.




Neste ponto, percebemos que o filme é sintoma de uma característica presente em nossa atualidade: a dificuldade dos pais em impor limites aos filhos. Esse sinal dos tempos marca a construção do sentido e do lugar do medo no discurso do filme. Certamente, a película dialoga com os impasses da educação familiar durante a infância, em nossos dias presentes. Quem já presenciou um happening satânico e infantil em um espaço público? O que chamamos de "birra" (ah seu menino birrento!). Estas cenas são tão constrangedoras para quem assiste quanto, imagino, para os pais. Uma criança caída ao chão em prantos e gritos é a visão do inferno! Muitos pais, acredito, sentem-se impedidos pelo olhar público a fazer qualquer correção no comportamento do infante. Quanto não seria útil um belo tapa na bunda birrenta!

Quanto a isto, vejam a fala do diretor, em entrevista ao Jornal do Brasil:
– Vejo a história dessa criança maligna como uma metáfora para a paternidade moderna. Os pais acreditam que querem o melhor para os seus filhos, não importa a que geração pertençam. Há 50 anos, os filhos que saiam da linha, muitas vezes, eram punidos com violência, até em público, e ninguém podia interferir. Hoje em dia, todos vigiam o comportamento dos pais em relação aos filhos, inclusive o Estado. O que pode ser uma coisa boa, contanto que não se cometa excessos. Há muitos livros sobre como criar um filho, as pessoas temem estar fazendo algo errado – compara o diretor, que sente o problema na pele. – Tenho três filhos, virei pai muito jovem, o primogênito já tem 10 anos, e me identifico muito com a questão.

Guardada milhas de distência, lembramos de outro filme com muitos mais predicativos do que este. Trata-se do ótimo "Deixe ela Entrar". É uma belo filme: complexo, bem realizado, que faz a mesma associação infância e malignidade, com muito mais qualidades.

No Caso 39, o destaque, além da atuação carismática, mas sem novidades da atriz Reneé Zellwegger, é a presença da mirim Jodelle Fernand (que interpretou uma jovem vampira no novo "Eclipse").

Mas o final óbvio (claro, o bem triunfa sobre o mal!) é literalmente um banho de água fria (também) em quem assiste.

vejam o trailer:


A edição do trailer, para assegurar o suspense que acompanha a primeira metade do filme, não dá a perceber quem é o monstro. Talvez, um exercício interessante seja, após o final do filme, re-assistir o começo, buscando identificar as fragilidades da narrativa. Este é um típico filme de reviravolta na narrativa. Exemplos clássicos são Os outros e Sexto Sentido. No Caso 39, quem parecia vítima no início, torna-se o algoz mor. Em prol da garantia do clima de suspense presente no início de narrativas deste tipo, muitos diretores forçam um pouco a barra, desrespeitando a inteligência do expectador. O que você sentiu?