segunda-feira, 28 de junho de 2010

"Herry Brown": passado contra presente

Ficha catalográfica
Diretor: Daniel Barber
Produtor: Matthew Vaughn; Kris Thykier; Matthew Brown ; Keith Bell
Roteiro: Gary Young
Elenco: Michael Caine; Emily Mortimer; Ben Drew; Charlie Creed-Miles; David Bradley; Jack O'Connell; Liam Cunningham
Musica: Martin Phipps; Ruth Barrett; Pete Tong; Paul Rogers
Fotografia: Martin Ruhe
Edição: Joe Walker
Studio Marv Partners; UK Film Council; HanWay Films; Prescience; Framestore Features
Distribuição: United Kingdom; Lionsgate; United States; Samuel Goldwyn Films; Destination Films
Data de lançamento:
United Kingdom, November 11, 2009
United States, April 30, 2010, (limited)
Australia, May 25, 2010
Duração: 103'
País: Reino Unido
Língua: Inglês







Valho-me do historiador inglês, Eric Hobsbawn, que afirmou no primeiro texto de Era dos Extremos: dentre as principais características do século XX, uma seria a crise geracional sem precedentes ocorridas em meados deste século. Numa apresentação breve, disse o historiador que o mundo que se configurou no pós-Guerra, cada vez mais foi marcado por novidades históricas que o distanciava da sociedade anterior. Contudo, o padrão dominante na cultura/mercado/política deste novo período era marcado por uma visão de mundo velha/envelhecida. Assim, ocorreu um fosso geracional. Trocando em miúdos: um novo mundo era governado por velhas pessoas e seus valores. O rock, a contra-cultura, a insurreição juvenil vista nos 60’s seriam indícios de um impasse geracional: o novo mundo/ o novo tempo exigia novos valores, um novo governo.





Bom, aqui chegamos ao “Herry Brown”. Grosso modo, diante do exposto, o filme seria uma desforra da velha gerontocracia que marcou presença na primeira metade do século XX. Fazendo as contas, o personagem que dá nome ao filme teria por volta de oitenta anos. Portanto, nascido por volta de 1930. Por isto, pode ser tomado como um representante da última geração do velho século XX. A geração seguinte, esta sim, poderia, pela primeira vez na história, ser chamada de “jovem” (de acordo com o sentido atual da palavra). Nos termos atuais, a juventude foi uma experiência histórica somente vivenciada pelas pessoas que nasceram a partir de fins da década de 1940. Isto significa que nunca antes houve jovens como entendemos hoje.

Assim, o personagem Harry Brown poderia ser visto com o passado que triunfa sobre o presente. Ele, um velho militar, home de outro tempo; tempo do casamento, da descendência, da casa, da família. Os jovens (homens e mulheres do presente) são representados de forma oposta: pessoas vazias de afetividade e sentido que buscam na marginalidade, na agressão física e nas drogas, elementos que dão sentidos às suas existências vazias.

Então, Herry Brown em sendo o “herói” da trama, o passado mostra ao presente (jovens marginais) o triunfo de seus valores. Nesta relação de sentidos, o passado é lugar da justiça; o presente do crime. O passado, lugar do sentido; o presente, do vazio. Neste mundo de simplista de oposições binárias (explicitadas com excesso de obviedade na narrativa fílmica), o passado, de arma em punhos, mata o presente. Isto, ao menos no transcorrer da segunda metade do filme.

Ao final, quase todos os personagens da trama estão mortos: velhos, jovens e intermediários. Aliás, esta hierarquia geracional constitui a chave pela qual vimos o filme: a) o Velho-Passado (Herry Brown) representa o herói: lugar do bom, do bem e da justiça; b) o Presente-Jovem / Traficante-Criminoso é o bandido: lugar do ruim, do mal, e do crime. Entre os dois, figuram os intermediários (para manter a lógica binária do filme são dois, um homem e outra mulher). Dentre os policiais que figuram na trama, somente dois ganham destaque na trama: uma agente é representada como digna e justa; o outro, como indiferente aos problemas da degradação da sociedade. Nela, buscaria apenas sobreviver em sua profissão. Entre as três categorias geracionais (velho, jovens e intermediários) não há solução possível para além da morte de quase todos.

Um triste presente traçado em um triste filme regular. Nossa breve análise não significa que o filme poderia ser classificado como diferente de “regular”. Concordamos como o referido crítico. Contudo, procuramos assisti-lo para além de suas características e méritos da linguagem cinematográfica. Como diz aquela máxima: para a história, todo filme é bom. Viria a calhar um complemento: para a história, todo filme é uma boa fonte para pensar a sociedade presente.

Um ponto positivo: neste filme temos a possibilidade de ver como a representação da polícia inglesa diferencia-se da nossa. Os policiais não usam armas na rua, nem no confronto físico com a população revoltada. A idéia é contenção, não repressão, com entre nós. (nesta chave de leitura, compare o presente filme com o Tropa de Elite, por exemplo).


Agora, se tens tempo disponível, use-o com filmes mais complexos. Uma dica precisa: assista ao “Gran Torino”, feito por outro velhinho (Clint Westwood). Garanto que muitos e diferentes problemas estarão nascidos ao final da assistência. Portanto, sua experiência cinematográfica será mais rica e complexa do aquela oferecida por “Herry Bronw”.

É só o fim!





“Harry Brown” foi classificado por André Barcinski, crítico de cinema da Folha de São Paulo (FSP), (Ilustrada, E6, 27/06/10), como “regular”. Você concorda?

Quanto a mim, a despeito do projeto gráfico enxuto e modernoso da capa do DVD lembrar os anos setenta; do sobrenome “Brown” ter me trazido à memória um delicioso e verdadeiramente estiloso filme de Tarantino (qual filme de Tarantino não seria estiloso?); minha esperança não sobreviveu ao The End. Com uma espécie de morte anunciada, na capa do DVD, vem a referência ao sincero filme de Clint Westwood: “Se você gostou de Grand Torino...”. Essas frases de efeito (mercadológico, claro) devem despertar desconfiança! Se uma obra não apresenta qualidades autônomas (que deveriam garantir em si) é denunciadora a solução de buscar legitimidade em associações com outras obras. (traduzindo: os autores da frase queriam dizer: Grand Torino foi um bom filme, este é tão bom quanto). Aliás, este tipo de comparação deve despertar a desconfiança. A despeito de pensar assim, de já acreditar nisto, decidi investir. As cenas iniciais foram minimamente suficiente para garantir minha atenção: fotografia sóbria, poucas cores, silêncios... mas, ao mesmo tempo, vieram os clichês e a obviedade das imagens/narrativa. Claro que a performance do protagonista (Michael Caine) me ajudou a ter esperanças em assistir a um bom filme.

O critico do jornal classificou o filme como “filme de justiceiro, na linha Desejo de Matar”. Não tenho um bom capital cinéfilo de filmes de ação que me capacitem a fazer tal afirmação. Não me lembro de ter assistido a sequer um filme de Charles Bronson. Claro que minha censura consciente impede tais lembranças. Mas, a princípio, não tenho nada contra filmes de ação, ou filmes de qualquer gênero que seja. A beleza nasce em qualquer lugar, como ensinou a mestra em estética, Maria Bethânia, ao regravar “É o amor”, da dupla Zezé di Camargo e Luciano. (Notou como a existência do “di” em oposição ao “Zezé” potencializa a “breguidade”?). Mesmo assim, Bethânia, conseguiu ver beleza na canção. Conseqüentemente, fez um punhado de gente que, se antes torcia o nariz para músicas para as sertanejas por puro preconceito (por sinal, gente intelectualizada, de classe média), depois, pagaram entradas caríssimas para ouvi-la cantar tal petardo popular. Mas esta história possui vários desdobramentos que fogem aos objetivos deste texto. Por sinal: tecer considerações que articulem o conhecimento e o ensino de história ao discurso cinematográfico.